Diretivas e instruções genéricas para execução da Lei de Política Criminal para o biénio 2015/2017
Lei n.º 72/2015
de 20 de julho
Define os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015-2017, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de maio, que aprova a Lei-Quadro da Política Criminal.
A Assembleia da República decreta, nos termos da alínea c) do artigo 161.º da Constituição, o seguinte:
Artigo 1.º
Objeto
A presente lei define os objetivos, prioridades e orientações de política criminal para o biénio de 2015-2017, em cumprimento da Lei n.º 17/2006, de 23 de maio, que aprova a Lei-Quadro da Política Criminal.
Artigo 2.º
Crimes de prevenção prioritária
Tendo em conta a dignidade dos bens jurídicos tutelados e a necessidade de proteger as potenciais vítimas, são considerados fenómenos criminais de prevenção prioritária, para efeitos da presente lei:
a) O terrorismo e os crimes previstos no artigo 4.º da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, alterada pelas Leis n.os 59/2007, de 4 de setembro, 25/2008, de 5 de junho, 17/2011, de 3 de maio, e 60/2015, de 24 de junho;
b) A criminalidade violenta organizada ou grupal;
c) O tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas;
d) Os crimes praticados contra crianças e jovens e outras pessoas vulneráveis;
e) Os crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual;
f) A violência doméstica;
g) Os crimes de tráfico de órgãos e de pessoas;
h) O crime de falsificação de documentos;
i) Os crimes contra o Estado, designadamente os crimes de corrupção e tráfico de influência e o crime de branqueamento de capitais;
j) A criminalidade económico-financeira;
k) Os crimes contra o sistema de saúde;
l) Os crimes fiscais e contra a segurança social;
m) A cibercriminalidade;
n) O crime de incêndio florestal e os crimes contra o ambiente.
Artigo 3.º
Crimes de investigação prioritária
São considerados crimes de investigação prioritária:
a) O terrorismo e os crimes previstos no artigo 4.º da Lei n.º 52/2003, de 22 de agosto, alterada pelas Leis n.os 59/2007, de 4 de setembro, 25/2008, de 5 de junho, 17/2011, de 3 de maio, e 60/2015, de 24 de junho;
b) Os crimes contra a liberdade e a autodeterminação sexual;
c) A violência doméstica;
d) O tráfico de órgãos e de pessoas;
e) A corrupção;
f) O branqueamento de capitais;
g) Os crimes fiscais e contra a segurança social;
h) A cibercriminalidade.
Artigo 4.º
Operações especiais
1 – As forças e os serviços de segurança promovem a realização de operações especiais de prevenção criminal contra os crimes previstos nos artigos 2.º e 3.º
2 – Os responsáveis máximos dos órgãos de polícia criminal promovem ações conjuntas e operações coordenadas destinadas a prevenir a prática dos crimes a que se referem os artigos 2.º e 3.º
3 – As forças de segurança coordenam, localmente, a realização de operações policiais que incidam sobre zonas limítrofes das respetivas áreas de competência territorial.
Artigo 5.º
Cooperação entre órgãos de polícia criminal
Os órgãos de polícia criminal cooperam na prevenção e investigação dos crimes referidos nos artigos 2.º e 3.º, designadamente através da partilha de informações, nos termos da Lei de Organização da Investigação Criminal, aprovada pela Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto.
Artigo 6.º
Prevenção da criminalidade
Na prevenção da criminalidade, as forças e os serviços de segurança desenvolvem programas de segurança comunitária e planos de policiamento de proximidade destinados a proteger vítimas especialmente vulneráveis e a controlar as fontes de perigo referentes às associações criminosas e organizações terroristas, meios especialmente perigosos, incluindo armas de fogo, nucleares, químicas e bacteriológicas ou engenhos ou produtos explosivos e meios especialmente complexos, como a informática e a Internet.
Artigo 7.º
Equipas especiais e equipas mistas
O Procurador-Geral da República pode, a título excecional, constituir equipas especiais, vocacionadas para investigações altamente complexas, e equipas mistas, compostas por elementos dos diversos órgãos de polícia criminal, ouvidos os respetivos dirigentes máximos, para investigar crimes violentos e graves de investigação prioritária, funcionando as equipas sob a dependência funcional do Ministério Público, sem prejuízo da dependência hierárquica dos seus membros, legalmente prevista.
Artigo 8.º
Planos de policiamento de proximidade e programas especiais de polícia
1 – As forças e os serviços de segurança desenvolvem, em especial, planos de policiamento de proximidade ou programas especiais de polícia destinados a prevenir a criminalidade, designadamente:
a) Contra pessoas idosas, crianças e outras vítimas especialmente vulneráveis;
b) No âmbito doméstico, no meio rural, nas escolas, nos serviços de saúde e em instalações de tribunais e de serviços do Ministério Público;
c) Contra setores económicos específicos.
2 – Os planos e programas referidos no número anterior podem ser previstos no âmbito de contratos locais de segurança, a celebrar entre o Governo e as autarquias locais.
Artigo 9.º
Plano Nacional de Videovigilância
Compete às forças de segurança, em coordenação com as autarquias locais, o desenvolvimento de um Plano Nacional de Videovigilância em espaços públicos de utilização comum, que, de acordo com as suas caraterísticas, reclamem a instalação de sistemas de videovigilância, nos termos da legislação em vigor.
Artigo 10.º
Operações especiais de prevenção relativas a armas
1 – As forças de segurança promovem, com a periodicidade adequada, a realização das operações especiais de prevenção criminal previstas no regime jurídico das armas e suas munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
2 – O Ministério Público acompanha, sempre que necessário, as operações especiais de prevenção referidas no número anterior.
3 – As forças de segurança devem ainda promover em zonas urbanas sujeitas a vigilância policial, em função dos índices de criminalidade, ações regulares de policiamento reforçado.
Artigo 11.º
Prevenção da violência desportiva
As forças de segurança desenvolvem junto dos promotores de espetáculos desportivos e dos proprietários de recintos desportivos, no caso de este espaço não ser da titularidade do promotor do espetáculo desportivo ou do organizador da competição desportiva, ações de prevenção e controlo de manifestações de violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espetáculos desportivos, promovendo o respeito pelas normas de segurança e utilização dos espaços de acesso público.
Artigo 12.º
Recuperação de ativos
É prioritária a identificação, localização e apreensão de bens ou produtos relacionados com crimes, a desenvolver pelo Gabinete de Recuperação de Ativos, nos termos previstos na Lei n.º 45/2011, de 24 de junho, alterada pela Lei n.º 60/2013, de 23 de agosto.
Artigo 13.º
Reinserção social
A Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais desenvolve, em especial, programas específicos de prevenção da reincidência para reclusos condenados em penas de prisão efetivas ou em penas de prisão suspensas na sua execução com sujeição a regime de prova, pela prática dos crimes de violência doméstica e crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual.
Artigo 14.º
Fundamentação
Em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 5.º da Lei n.º 17/2006, de 23 de maio, a fundamentação das prioridades e orientações de política criminal consta do anexo à presente lei, que dela faz parte integrante.
Artigo 15.º
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor em 1 de setembro de 2015.
Aprovada em 19 de junho de 2015.
O Presidente da Assembleia da República, em exercício, Guilherme Silva.
Promulgada em 10 de julho de 2015.
Publique-se.
O Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva.
Referendada em 14 de julho de 2015.
O Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho.
ANEXO
(a que se refere o artigo 14.º)
Fundamentos das prioridades e orientações da política criminal
1 – De acordo com o preceituado na Lei-Quadro da Política Criminal, a presente lei estabelece os objetivos, gerais e específicos, da política criminal a prosseguir durante o biénio da sua vigência, fixando prioridades e orientações com vista a alcançar esses objetivos. Assim, indica como objetivos gerais a prevenção e a investigação dos crimes, bem como a promoção da reinserção dos autores dos crimes na sociedade. Os objetivos respeitantes ao período compreendido entre 2015 e 2017 reportam-se a vários planos sobre que deve incidir a política criminal, estendendo-se desde o policiamento pelas forças de segurança até à execução das penas.
2 – A identificação dos crimes de prevenção e investigação prioritários assentou na análise dos fenómenos criminais sob a perspetiva do seu nível de incidência, bem como na ótica da importância dos direitos ofendidos e da gravidade das ofensas cometidas.
Foram ainda ponderadas razões de eficiência e operacionalidade, porquanto constitui uma evidência que quando qualquer definição de prioridades é profusa, a consequência imediata dessa opção é o aniquilamento da capacidade de resposta das autoridades, o que na prática inviabiliza o cumprimento das prioridades. Construiu-se, pois, um elenco ambicioso, mas ainda assim realista e, por isso mesmo, apto à concretização plena dos objetivos visados.
Assim, os crimes contra as pessoas representaram 24,1 % da criminalidade participada, segundo os dados do Relatório Anual de Segurança Interna de 2014, constatando-se um aumento da criminalidade registada quanto aos tipos criminais dos «maus tratos ou sobrecarga de menores» (+23,3 %), «tráfico de pessoas» (+63,6 %), «abuso sexual de crianças, adolescentes e menores dependentes» (+23,3 %) e «lenocínio e pornografia de menores» (+40,2 %).
O crime de violência doméstica continua a registar números muito elevados, pois foi assinalada, em comparação com o ano de 2013, uma mera redução de 0,004 %, o que corresponde a menos um caso. As ocorrências em 2014 cifraram-se, deste modo, em 27.317.
Importa ainda referir que no âmbito do Programa «A solidariedade não tem idade», dentro do Modelo Integrado de Policiamento de Proximidade, a Polícia de Segurança Pública identificou 3 620 idosos, dos quais 30 % em situação de risco.
Encontra, pois, plena justificação o enfoque prioritário, tanto no plano da prevenção, como no plano da investigação, quer quanto aos crimes de violência doméstica, tráfico de pessoas e crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual praticados contra menores, quer quanto aos crimes praticados contra pessoas especialmente vulneráveis.
Assinale-se ainda que o crime de falsificação de documentos constitui amiúde um instrumento para a prática de crimes de tráfico de pessoas e de auxílio à imigração ilegal, sendo por isso essencial elegê-lo como uma prioridade ao nível da prevenção criminal.
No plano dos crimes contra o Estado, registou-se um aumento muito acentuado em sede de crime de corrupção (+58,1 %).
A defesa do Estado de direito democrático continua, pois, a requerer a atribuição de prioridade na prevenção e na investigação de fenómenos como a corrupção e o tráfico de influência e o branqueamento, crimes suscetíveis de ter um forte impacto negativo na economia e nas finanças públicas, diminuindo a necessária relação de confiança entre os cidadãos e o Estado.
O mesmo grau de impacto têm os crimes fiscais e contra a segurança social, os crimes contra o sistema de saúde e a criminalidade económico-financeira, impondo a mesma prioridade.
Em sede de crimes previstos em legislação avulsa, o destaque vai para os crimes de «acesso indevido ou ilegítimo, interceção ilegítima» (+17,8 %), «outros crimes informáticos» (+146,2 %), «reprodução ilegítima de programa protegido» (+105,9 %), «sabotagem informática» (+76,2 %) e «falsidade informática» (+36,1 %).
O aumento do número de crimes informáticos e de crimes cometidos com recurso a meios informáticos, ocorrido na última década, que acompanhou a crescente utilização da informática no estabelecer de relações profissionais, pessoais e comerciais, justifica que a sua prevenção e investigação sejam prioritárias, em consonância com a criação, no seio da Polícia Judiciária, de uma unidade nacional de investigação do crime informático. É importante sublinhar que muitos dos casos de abuso sexual de menores ocorrem com recurso à Internet.
Pese embora a descida substancial verificada quanto aos crimes de incêndio (-47,9 %), a sua repercussão ao nível de múltiplos bens jurídicos, tanto de natureza pessoal como patrimonial, assumindo ainda relevância a perturbação do equilíbrio dos ecossistemas, constitui razão suficiente para que continue a prevenção deste e dos demais crimes contra a o ambiente a constituir uma prioridade.
Já os crimes de tráfico de estupefacientes mantêm uma elevada percentagem de incidência de 18,62 %, um número preocupante pelos graves danos para a saúde dos dependentes das substâncias psicotrópicas, a destruição da estabilidade dos lares familiares e a perturbação da segurança, tranquilidade e ordem pública decorrentes desta atividade criminosa.
Por outro lado, a dimensão temporal, humana e geográfica do fenómeno terrorista de inspiração fundamentalista reforçam a necessidade de cooperação internacional, bem como a imprescindibilidade da sua prevenção e investigação prioritárias.
Finalmente, os instrumentos penais tradicionais têm-se revelado insuficientes para prevenir e combater eficazmente a proliferação de atividades criminosas, designadamente as de cariz internacional e organizado, que são suscetíveis de facultarem aos seus agentes elevados proventos ilícitos. Assim, torna-se imperioso privar esses agentes criminosos dos bens e valores assim obtidos, para o que o Gabinete de Recuperação de Ativos deve ser instrumento privilegiado.